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QUARTA-FEIRA, 26 DE NOVEMBRO DE 2014 | 13:28
 
Fatia da indústria em recurso do BNDES cai quase à metade
 
A falta de competitividade está afastando cada vez mais a indústria de transformação de novos investimentos capazes de revigorá-la. Estudo produzido pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) mostra que o setor está perdendo participação nos desembolsos do BNDES este ano. Depois de ter chegado a 46% em 2010 - último ano em que a indústria nacional cresceu significativamente, acima dos 10% -, a participação do setor de transformação recuou para 25% dos recursos liberados no primeiro semestre deste ano, conforme levantamento do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp (Decomtec). De 2009 para cá, a margem líquida da indústria caiu de 7,7% em média para 2,6% (em 2012, último dado disponível).

A queda do investimento foi puxada pelas grandes empresas industriais, que fecharam o semestre com 19% de participação nos desembolsos. "A culpa não é do BNDES", explica José Ricardo Roriz, diretor do Decomtec. "Se não fosse o banco, a queda dos investimentos seria ainda maior." Roriz culpa o cenário econômico especialmente danoso para o setor. "Os juros são altos, o spread bancário é elevado, isso tudo inviabiliza o investimento, junto com a burocracia e a insegurança jurídica", diz.


O câmbio desfavorável - pelo menos durante o primeiro semestre, com a cotação do dólar em torno de R$ 2,30 - e o custo Brasil aparecem, como sempre, entre as principais causas da perda de competitividade na visão da Fiesp. A área técnica do Decomtec estima que o real passou o primeiro semestre com valorização de 13%. O departamento utilizou o "índice Big Mac", da revista "The Economist" com parâmetro.

O BNDES admite que os números da Fiesp refletem a realidade. Os dados de desembolso divulgados pelo banco na sexta-feira indicam que de janeiro a setembro o volume de recursos destinado à indústria caiu 13% em relação ao mesmo período de 2013. Para o diretor de Planejamento do banco, João Carlos Ferraz, a indústria perder participação no PIB não é uma situação diferente do que ocorre em outros países. "O Brasil passou por um processo recente de inclusão social e tem um nível de emprego elevado, com 78% de trabalhadores formalizados", diz Ferraz. "Isso tem um peso no custo de mão de obra. Não explica totalmente, mas dado o perfil de qualificação da mão de obra, é compreensível a perda de competitividade." Segundo ele, o país vem de uma demanda por serviços de baixa produtividade - o que impulsiona o segmento - e por bens duráveis.

A situação tem feito com que o crescimento da renda observado nos últimos dez anos tenha sido inócuo para a indústria nacional, diz Roriz. A maior parte do crescimento de renda foi apropriada por importados. Pelas estimativas do Decomtec, o consumo de bens duráveis importados subiu 89,3% em 2013, levando a importação a responder por 25% do total dos bens duráveis consumidos no país.

Ferraz, do BNDES, concorda que o consumo de bens duráveis vem sendo suprido por importações e acredita que as condições de competição da indústria de outros países, principalmente asiáticos - em especial China - está dando ao consumidor acesso que antes ele não tinha a uma série de produtos. Mas, na sua visão, "a capacidade competitiva da indústria brasileira foi comprometida dentro das próprias empresas", com baixos níveis de produtividade decorrentes, entre outros fatores, da idade média elevada dos bens de capital e do baixo volume de investimentos em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação. "Tudo isso deixou a indústria brasileira muito limitada", comenta. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), a idade média das máquinas em operação no Brasil é de 17 anos - ante quatro a sete anos nos países desenvolvidos e menos que isso em parte da indústria chinesa.

"Para a indústria voltar a investir, é preciso retomar a competitividade", defende Roriz. "O problema da indústria é que o custo de produzir no brasil é 34,2% maior que lá fora. Exportar fica caro. Como você vai atender o mercado doméstico e exportar com esses custos?", questiona. De acordo com o diretor da Fiesp, o que o setor tem feito são gastos "defensivos", para reduzir custos pontualmente e baratear a produção. Com esse cenário, a Fiesp projeta para o ano uma queda da participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) dos 13% de 2013 para algo entre 12% e 12,5%. A taxa de investimento (formação bruta de capital fixo) deve recuar de 18,2% em 2013 para 17,1% este ano, projeta o estudo.

"A indústria já vem perdendo participação relativa no PIB há oito ou nove anos", comenta Margarida Gutierrez, professora do Coppead, a escola de negócios da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "É um processo normal que decorre em parte do fato de a economia estar fragilizada e em parte pela perda de competitividade."

Segundo ela, o Brasil vive o fenômeno da "desindustrialização precoce", porque a perda de competitividade da indústria está se dando antes de o país ostentar renda média suficientemente elevada para justificar a migração da produção para outros mercados. "O país vem de um longo período de apreciação cambial, o que expõe a indústria aos importados com mais rigor", comenta. Essa é uma das razões pelas quais o Brasil se mantém com apenas 1% das exportações mundiais - e perdendo terreno -, enquanto a China, que há 30 anos tinha 1%, hoje tem 17%.

O aumento recente da renda, diz, acabou sendo desviado para fora do país. "Quem capturou o aumento do consumo ocorrido no Brasil nos últimos dez anos foram os produtos importados", afirma Roriz. "Basta ver o crescimento das vendas do varejo versus a produção. As vendas cresceram, as importações cresceram e a produção caiu." Pelo estudo da Fiesp, a participação dos importados no crescimento do consumo foi de 40% entre 2008 e 2010. Os importados absorveram 100% do crescimento em 2011. Na estimativa que fez para o ano passado, a Fiesp calcula que 89,3% do crescimento do consumo foi destinado a importados.

Com esse conjunto de fatores, a Fiesp não vê possibilidade de crescimento futuro da indústria. A perspectiva é de encolhimento de aproximadamente 2% ao ano.

"Financiamento pelo BNDES pode ser importante caso a caso, mas não é a solução para a falta de investimento na indústria transformadora a nível macro", comenta Carlos Braga, professor da escola de negócios suíça IMD e ex-diretor do Banco Mundial. "Na verdade, a principal contribuição que o governo pode fazer nessa área é dar mais agilidade aos financiamentos para resolver os gargalos de infraestrutura e manter o ajuste do ambiente macro (como inflação sob controle e transparência nas contas públicas)".

De acordo com ele, falta principalmente confiança ao setor privado para investir. Braga acredita que a questão cambial é crucial. Em suas contas, "o real continua relativamente sobrevalorizado, na faixa de 5% a 15% em comparação com parceiros comerciais relevantes, mas a situação tem melhorado".

Na visão de Margarida, do Coppead, de 2011 para cá a produtividade não cresceu, mas os salários aumentaram, resultando em mais perdas de produtividade. Para ela, a indústria brasileira tem até demorado a cortar pessoal face a situação. Começou a demitir este ano, com corte de cerca de 3% do pessoal empregado, mas ainda não cortou tanto quanto precisava. Um dos motivos é o alto custo de contratação e qualificação no setor. Segundo estudo da própria Fiesp, demitir um funcionário e depois recontratá-lo e requalificá-lo equivale a até nove vezes o valor do salário desse profissional.

Braga considera que a reversão do quadro passa por um choque de competição: é preciso aumentar a exposição brasileira à economia mundial - com o que Margarida concorda -, reorientar a política industrial, melhorar a infraestrutura e o acesso ao crédito.

Ferraz acredita que é hora de rever o modelo de incentivo à indústria. Ele entende que o país tem uma oportunidade única de investir em atividades industriais que atendam a necessidade, como a área de insumos básicos para comunicação (internet, cuja baixa velocidade no Brasil abre perspectiva para a melhoria do serviços, e telefonia 4G).

Fonte: Valor Econômico
 
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